Morava na comunidade rural de Firmeza, no município de Orizona. Sempre foi uma região de lideranças comunitárias importantes e de um povo muito politizado, graças à força da Teologia da Libertação e das CEBs - Comunidades Eclesiais de Base. Recordo como se fosse hoje da ansiedade daquele povo em votar pela primeira vez.
Na minha família todos apoiavam um candidato de aparência ríspida e barbas longas, um sujeito que apenas treze anos depois veio a se tornar presidente e mais tarde, tornou-se o mais importante lider brasileiro de todos os tempos, com reconhecimento em todos os cantos do mundo.
No dia da votação em primeiro turno (não me recordo a data precisa) todos vestiram a melhor roupa, pegaram os cavalos, as carroças e foram para aquele grande e importante momento. A sessão ficava no Grupo Escolar de Firmeza, a escola da professora Maria Abadia. Antes, notórios nomes como os professores Salviano, Sebastião de Castro e Dona Ireni deram aula ali para meus pais, tios e avós. Do lado de fora da sessão, peguei a fila com meus pais e fomos. Pela curiosidade de uma criança lembro que entrei junto com eles no local de votação. Depois da votação, as pessoas se dirigiam para o povoado (a escola ficava a cerca de um quilômetro da sede da comunidade) e a prosa rolava descompromissada.
E com a apuração, Lula e Collor foram para o 2º turno. Do segundo turno não lembro de muita coisa, mas recordo da edição pela Globo o último debate, que aconteceu a 10 dias da votação. Assisti depois no Jornal Nacional na casa do Sr. Agostinho Ramos. Na região não tinha mais que cinco televisores, mas por acaso testemunhei aquela falácia histórica promovida pela Rede Globo em favor de um candidato playboy e fanfarrão.
Aquele último debate talvez seja o mais discutido até hoje. Realizado pela Rede Globo a dez dias do segundo turno, quando Lula e Collor estavam quase empatados nas pesquisas, o debate foi editado em um vídeo de 6 minutos para ser retransmitido no jornal do dia seguinte. A edição priorizava imagens de Lula nervoso, suando e titubeando nas respostas. Já Collor parecia a segurança em pessoa e ganhou um minuto a mais que o rival na edição. Depois de o vídeo ir ao ar, Collor descolou do petista já na pesquisa seguinte e ganhou a primeira eleição direta pós-ditadura.
E dessa vez, assim como a 21 anos atrás, a Globo do suprapoderoso Ali Kamel parece estar disposta a tudo para reverter uma condição extremamente desfavorável, que é a de ver Serra no segundo turno com Dilma. A missão não vai ser fácil mas o editorial de Kamel vai com certeza tentar de tudo até o último minuto. Já estão dando golpes em todas as frentes, com a fabricação de 200 escândalos por semana, com garantias de veracidade e tudo mais.
O último golpe foi a divulgação de mais uma pesquisa DataFolha, que mesmo contariando a lógica, prevê segundo turno entre Dilma e Serra. E temo muito o que poderá acontecer no último debate, promovido pela Globo. Alavancar Serra em uma debate é uma missão um pouco ingrata, já que seu desempenho é sempre terrível, haja vistas o debate de domingo na Record. Mas para quem tem Ali Kamel como um pomposo cabo eleitoral, vai que um milagre acontece. Eles só não esqueçam de combinar com o povo brasileiro, que está mais consciente, politizado e não se deixa mais ser levado tão facilmente pelo império do Cidadão Kane.
Em 1989 ficamos todos desapontados pelo golpe que nos deram. A vitória de Lula parecia algo concreto. Mas todos aqueles camponeses e operários um dia deram o contragolpe em favor do futuro de seus filhos e netos. Aqueles mesmos camponeses, e operários alguns não mais no nosso meio, não permitirão que um novo atentado à democracia aconteça em 2010. Dia 4 de outubro está ali na próxima esquina e teremos a prova disso.
