O estado de Goiás enfrenta enormes desafios sociais e ambientais devido à expansão do agronegócio, orientado, especialmente, para a exportação de agrocombustíveis. A monocultura da cana-de-açúcar para etanol provoca o deslocamento de comunidades indígenas e camponesas, comprometendo também seus direitos humanos básicos. A rápida expansão de plantações para agrocombustíveis desconsidera o ecossistema local e ameaça a biodiversidade presente no Cerrado, encontrada unicamente na região. Outro grande desafio para a agricultura camponesa local é a disseminação de organismos geneticamente modificados, sementes que ameaçam a biodiversidade, empanturrando-se de água e consumindo grandes quantidades de insumos químicos. Estas sementes estão tornando a agricultura local mais dependente de outros insumos externos e de produtos químicos vendidos por algumas grandes empresas multinacionais.
Tal mudança da agricultura, controlada por conglomerados agrícolas, está afetando a capacidade das comunidades rurais de produzirem sua própria comida, especialmente porque cria uma concorrência desleal entre pequenos agricultores e grandes corporações. Com a expansão dos agrocombustíveis, e falta de controle sobre as sementes, os pequenos agricultores acabam não tendo outra opção além de vender suas terras para os grandes produtores e investidores internacionais. Esta mudança na agricultura brasileira também agrava a crescente influência das empresas transnacionais sobre o sistema alimentar local. No Brasil, três empresas controlam 66% dos grãos exportados - Cargill, Archer Daniels Midland e Bunge.
Neste contexto difícil, o Movimento Camponês Popular (M) e seu Programa de Sementes Crioulas (apoiado pela Grassroots Internacional) demonstram alternativas viáveis em face da agricultura industrial.
M é uma organização que defende, no Brasil, a proteção das economias camponesas, soberania alimentar e de sementes. O M organiza famílias camponesas e comunidades em torno de práticas de agricultura sustentável e tem sido uma voz de liderança no estado de Goiás frente os impactos negativos da expansão de monoculturas industriais como a cana-de-açúcar para produção de agrocombustíveis e a disseminação de sementes transgênicas.
O Programa de Sementes Crioulas, do M, incentiva o crescimento, produção e distribuição da herança tradicional - ou crioula - sementes para culturas alimentares adaptadas às condições locais. Através de experimentos liderados pela comunidade, os agricultores testam centenas de variedades locais de milho, feijão, arroz, mandioca e culturas de cobertura para melhoria do solo. O M seleciona variedades de alto rendimento para multiplicação e ajuda os agricultores a comercializar, para outras comunidades rurais, as melhores variedades de sementes crioulas.
Além da restauração do mercado de sementes crioulas, o programa do M está reunindo camponeses para juntos aprenderem sobre outras práticas de agricultura sustentável e, mais importante, para proteger os seus interesses em um contexto de boom da produção de agrocombustíveis. O Programa de Sementes Crioulas demonstra, com sucesso, a produtividade das sementes e sua não dependência de insumos caros e tóxicos necessários para as culturas transgênicas.
Desde 2006, integrantes do M produziram mais de 400 toneladas de variedades de herança tradicional de arroz, milho e feijão que estão sendo distribuídas para outros pequenos agricultores. O Programa de Sementes Crioulas está se tornando, rapidamente, um modelo de pesquisa participativa sobre a gestão sustentável da diversidade genética. Utilizando uma metodologia de camponês para camponês, o M está contribuindo para o resgate, avaliação, caracterização, seleção e conservação dos recursos genéticos locais.
O Programa de Sementes Crioulas, do M, valoriza a liderança das mulheres e contribui para a preservação de sementes locais e da biodiversidade agrícola. 26 grupos de mulheres também participam do programa. O M desenvolve uma metodologia específica para trabalhar com mulheres camponesas que inclui reuniões e treinamentos para resolver os problemas do patriarcado e incluir a perspectivas das mulheres sobre práticas de agricultura sustentável.
Os resultados são impressionantes:
- 348 toneladas de sementes crioulas foram vendidas para outras comunidades: 57 variedades locais de milho, feijão, mandioca e arroz, e dez culturas diferentes que são usados para restaurar a fertilidade do solo.
- M ajudou a organizar, em Goiás, 40 bancos comunitários de sementes.
- A metodologia participativa do Programa de Sementes Crioulas está gerando novas oportunidades para os agricultores estudarem e implementarem práticas de agricultura sustentável, como a rotação de plantio, áreas de pastagem e adubação do solo naturais (orgânico).
- O Programa de Sementes Crioulas tem fortalecido as comunidades de pequenos agricultores para lutarem por melhores políticas de desenvolvimento rural e resistir aos impactos negativos do agronegócio em suas comunidades.
- Através do Programa de Sementes Crioulas, o M tem sido capaz de construir conexões práticas e trocas de conhecimento com outras comunidades na América Latina e África que estão sendo impactadas pelas mesmas ameaças ambientais, econômicas e sociais.
O Programa de Sementes Crioulas continua influenciando famílias camponesas a aprenderem sobre a produtividade e ibilidade na multiplicação de sementes locais. Elias Freitas Mesquita, coordenador regional do M, descreve isso da seguinte maneira: "O trabalho com sementes é um projeto incrível porque a comunidade quer ver para crer. Eles podem ver os resultados por si mesmos - que as nossas sementes locais são mais produtivas, resistentes a insetos e produzem culturas de melhor sabor que híbridos ou outras sementes".
* Texto por Grassroots International/ Tradução Comunicação M. Foto: Marina Munhoz. Todos os direitos reservados.