sexta-feira, 2 de dezembro de 2022 933h

Curiosidades históricas de Orizona e Região - I v5qk

Efeméride pode ser um acontecimento relevante que é lembrado em seu aniversário. Os eventos que, por suas características, permanecem na história e são lembrados com o ar do tempo, constituem efemérides. Também se chama efemérides à celebração desses aniversários e ao comentário orientado para os acontecimentos de cada jornada.
O que pretendemos aqui pode ser algo parecido. Visamos registrar fatos históricos e acontecimentos de instituições, pessoas e famílias (batizado, nascimento, casamento e óbito) de pessoas que viveram em Orizona em regiões adjacentes nas últimas duas décadas ou mais. Por sua extensão, dividiremos essa história em mais de um texto, para não ficar muito extenso. Evitaremos citar fatos conhecidos ou já publicados, mas isso não é uma regra.
Nesse primeiro texto faremos referências a moradores de Santa Cruz, Campo Formoso (Orizona), Pires do Rio, Vai-Vem (Ipameri), Catalão, Santa Luzia (Luziânia), Morro Alto (Piracanjuba), Vila Bela (Morrinhos) Bela Vista e Bonfim (Silvânia). Também só traremos acontecimentos do século XIX.

01/01/1834 – Faleceu na freguesia de Santa Cruz, Manoel Mendes do Valle, morador de região onde é hoje o município de Orizona.

11/01/1899 – Nasceu em Bela Vista, Egerinêo Teixeira, filho de Epinona Marques de Motta e Brasilino Roque Teixeira. Foi um combativo jornalista e prefeito de Campo Formoso.

18/01/1898 – Faleceu Antonio Fernandes de Castro, esposo de Cassiana da Cunha Telles e filho de Joaquim Fernandes de Castro e Maria Rosa do Carmo. A sede de suas propriedades estava localizada na fazenda Pontinhas.

29/01/1837 – Se casaram na Igreja Matriz de Santa Cruz, o lavrador Antonio de Sousa Bastos (filho de Ignácio de Sousa Bastos e Marcellina Maria de Jesus), 21 anos, batizado na capela de Nossa Senhora do Carmo, em Araxá-MG), e Izabel Maria da Conceição (filha de Francisco Pereira e Maria Jozefa de Jesus), 18 anos, natural e batizada na Matriz de Piumhi, bispado de Mariana-MG.

31/03/1883 – Faleceu o Capitão Joaquim Fernandes de Castro, esposo de Maria Rosa do Carmo e morador da Fazenda Firmeza, filho de Luiz Fernandes de Castro e Ana Felizarda da Conceição.

26/04/1843 – Na Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, em Patrocínio-MG, receberam o matrimônio Florentino Vieira do Nascimento, lavrador, filho de Manoel Vieira da Motta e sua mulher Thereza Maria do Espírito Santo (falecida), naturais de Patrocínio-MG, com Maria Joanna de Jesus, 14 anos, filha de Manoel Pereira Cardoso (falecido) e de Justa Zeferina de Jesus, batizada na mesma freguesia. Celebrou o padre José Ferreira Estrella.

22/05/1839 – Foi batizado na Igreja Matriz de Santa Cruz, Ignácio, filho de José Archanjo Correa e Angela Pereira de Faria. Eram moradores da Fazenda Santa Bárbara. Foram padrinhos, José Francisco Correa e Thomásia Ribeiro de Jesus. A criança nasceu em 01/02/1839. Celebrou o padre Antonio Joaquim Teixeira.

22/05/1845 – Batizou a Vicente, filho natural de Rita Angola, escrava de Francisco Pereira Cardoso. Foram padrinhos, Raimundo José Leão e Maria Gonçalves. A criança nasceu em 22/01/1845. Celebrou o padre Antonio Joaquim de Azevedo.

22/05/1845 – Foi batizada na Capela de Nossa Senhora do Rosário, Santa Cruz, Carolina, filha de Francisco Pereira Cardoso e Anna Maria de Jesus. Foram padrinhos Manoel Mendes do Valle e Antonia Joaquina do Nascimento. Celebrou o padre Antonio Joaquim de Azevedo. A criança nasceu em 05 de março de 1845.

24/05/1833 – faleceu Bartholomeu Bueno de Câmara, descendente do Anhanguera, casado com Mariana Joaquina e morador do porto do Corumbá, em Santa Cruz.

25/05/1825 – Casaram em Santa Cruz, pelas 4 horas da tarde, Jozé Vaz da Costa (filho de Francisco Vaz da Costa e Ignácia Maria dos Santos), naturais de Araxá-MG, com Maria Roza Alves (filha de Francisco Alves de Magalhães e Tereza Tavares da Silva). Celebrou o padre Antonio Joaquim Teixeira.

25/05/1836 – Se casaram na Igreja Matriz de Santa Cruz, Joaquim José Pinheiro (filho do Cap. Francisco José Pinheiro e Ana Maria Teixeira), naturais de Patrocínio-MG e moradores de Morro Alto, e Bárbara Maria Dias (filha de Jozé Dias de Andrade e Joaquina Constância de Jesus), naturais de São Brás de Alcântara-MG. Celebrou o vigário Antonio Joaquim Teixeira.

26/05/1844 – faleceu aos 64 anos o vigário colado Antonio Joaquim Teixeira, também conhecido como Provedor Teixeira. Foram muitos os serviços prestados à freguesia de Santa Cruz. Na região do atual município de Orizona, foram muitas as desobrigas realizadas e os sacramentos istrados nas fazendas. Foi sepultado na matriz de Santa Cruz.

28/05/1825 – faleceu Maria da Paixão Solidade, casada com o Capitão Vicente Miguel da Silva, importante pioneiro de Bonfim.

02/06/1844 – faleceu em Bonfim o sargento-mor Caetano Teixeira Sampaio, casado com Maria Nunes e filho do Capitão Caetano Teixeira Sampaio, um dos mais importantes cidadãos daquela vila.

04/06/1823 – O marechal Raymundo José da Cunha Mattos, comandante das Armas, a caminho de Villa Boa, capital da província, pernoitou no sítio do Baú, da senhora Maria da Luz.

05/06/1840 – No sítio Santa Bárbara, Santa Cruz, pelas 10 horas da manhã, na presença do padre Antonio Ferreira de Lima, casaram Antonio Correa Peres, 24 anos, filho legítimo de Jozé Correa Peres e Anna Joaquina do Espírito Santo, natural de Santana da Barra do Espírito Santo-MG; e Anna Joaquina do Espírito Santo, 22 anos, filha de José Antonio de Mello e Custódia Maria de Jesus, natural de São Francisco de Paula-MG.

06/06/1850 – faleceu Thereza de Jesus, esposa de Manoel Gonçalves Pereira, sepultada na Capela do Rosário, em Santa Cruz.

13/06/1831 – Na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, Santa Cruz, casaram Jozé Mendes de Assumpção, filho de Manoel Mendes do Valle e Venância Rodrigues da Silveira, naturais de Araxá-MG, e Anna Esmeria de Jesus, filha de Joaquim Rodrigues do Nascimento (falecido) e Jacintha Maria do Espírito Santo. Celebrou o Provedor Teixeira. Essas famílias viviam em regiões próximas ao córrego do Baú, Areias e onde hoje é o povoado de Montes Claros.

29/06/1838 – Batizou na fazenda Macaúba, em Santa Cruz, a Maria, filha do Ten. Jacintho Pereira Cardoso e de Anna Roza da Conceição. Foram padrinhos o padre Antonio Joaquim Teixeira (celebrante) e Maria Roza de Jesus (filha de Jacintho).

30/06/1838 – Se casaram em Santa Cruz, o agricultor Francisco Pereira Cardoso (filho de Jacintho Pereira Cardoso e Joaquina Rosa de Jesus - falecida), 20 anos, com Anna Maria de Jesus (filha de Jozé Affonso da Silva e Joaquina Rosa de Jesus), 20 anos, sendo os noivos naturais da freguesia de Araxá-MG (ele, em Patrocínio). Celebrou o padre Antonio Joaquim Teixeira.

07/07/1895 – Nasceu em Leme/SP, Raphael Leme Franco, conceituado médico de Campo Formoso por mais de cinco décadas. Foi poeta e cronista em vários jornais.

17/07/1848 – Casou por palavra Bento Correa Peres, viúvo de Teodora Ribeiro de Jesus, com Rita Ferreira da Silva, filha de Francisco Ferreira da Silva e Maria Ribeiro de Jesus. Celebrou o padre Antonio Francisco Nascimento.

23/07/1862 – O alferes José Pereira Cardoso e a esposa Anna Luíza da Cunha foram padrinhos de uma criança de nome José, filho de José Vieira da Cunha e Lucinda Maria da Cunha, moradores da fazenda Burity do Córrego Fundo, em Santa Luzia. O sacramento foi dado pelo vigário de Santa Cruz Antonio Luis Brás Prego com autorização do vigário de Santa Luzia.

09/08/1876 – Pela Resolução Estadual nº 570, foram as transferidas as regiões de Firmeza e Campo Aberto de Santa Cruz para Bonfim.

10/08/1828 – Casaram em Santa Cruz, os irmãos Ignácio Correa Peres e Anna Joaquina do Espírito Santo (filhos de Jozé Correa Peres e Maria Joaquina de Jesus), naturais de Santana da Barra do Espírito Santo (distrito de Patos de Minas) e moradores da fazenda Santa Bárbara; com os irmãos Belizária Maria de Jesus e Joaquim Alves Cabral (filhos de Francisco Alves Cabral e Maria Roza de Jesus), respectivamente, naturais de Araxá-MG e moradores da Fazenda Areias.

11/08/1890 – Faleceu na Fazenda Firmeza do José Pereira Cardoso Primo, esposo de Escolástica Maria do Carmo, filho Manoel Pereira Cardoso e Justa Zeferina da Conceição e genro do Cap. Joaquim Fernandes de Castro.

23/08/1873 – Criadas as Comarcas de Santa Cruz e do Rio Tocantins. A comarca de Santa Cruz ava a ser composta pelas vilas Bella de Morrinhos e Santa Cruz, desmembrando as comarcas do Rio Paranahyba (Catalão, Calaças, Santo Antonio do Rio Verde e Itumbiara) e do Rio Corumbá (Bonfim, Bela Vista e Campinas).

02/09/1844 – Às 7 horas, na Fazenda Firmeza, em Santa Cruz, casaram Manoel Pereira Cardoso, filho legítimo do finado Manoel Pereira Cardoso com a sua esposa Justa Zeferina de Jesus; e Anna Carolina de Jesus, filha legítima de Joaquim Fernandes de Castro e de Justa Maria do Carmo (falecida na data). Celebrou o padre Antonio Joaquim Araújo de Mello.

14/09/1880 – Nasceu em Campo Formoso, Olímpio Pereira Cardoso, filho do Capitão José Pereira Cardoso e de Maria Vieira d’Abbadia.

15/09/1891 – Cidadãos enviam abaixo-assinado ao presidente do Partido Republicano Federal, cônego Inácio Xavier da Silva, agradecendo pelo empenho que permitiu a elevação do vilarejo dos Correas a Distrito de Paz e Policial de Campo Formoso.

22/09/1888 – Faleceu em sua residência, na Fazenda Cuiabanos, a Sra. Ana Angélica de Jesus, esposa de Albino Fernandes de Oliveira.

27/09/1829 – Casou em Santa Cruz, João Teixeira Sampaio, filho do Cap. Caetano Teixeira Sampaio e de Anna Neto da Costa, com Marianna Alves Rodrigues, filha do Alferes José Alves Rodrigues e de Josefa Fagundes de Faria. Celebrou o padre Antonio Joaquim Teixeira.

08/10/1848 – Na Capela de Nossa Senhora do Rosário, em Santa Cruz, na presença das testemunhas Antonio Rodrigues do Nascimento e Manoel Pereira Cardoso e do vigário Antonio Francisco do Nascimento, receberam o matrimônio Jacintho Pereira Cardoso Júnior (filho de Jacintho Pereira Cardoso e Joaquina Rosa de Jesus), e Balbina Maria de Jesus (filha de Fulgêncio de Sousa França e Rita Maria de Jesus).

28/10/1845 – Foi batizado na Fazenda Firmeza, José Fernandes de Castro (Zeca Fernandes), filho legítimo de Joaquim Fernandes de Castro e Maria Rosa do Carmo. Foram padrinhos Vicente Fernandes de Castro e Ana Rosa da Conceição. Celebrou o padre Antonio Joaquim de Azevedo. O mesmo nasceu em 21 de setembro de 1845.

28/10/1845 - Foi batizado na Fazenda Cachoeira, atualmente Orizona, Joaquim, filho legítimo de Manoel Gonçalves Pereira e Maria Joaquina Silveira. Foram padrinhos Manoel Pereira Cardoso e Anna Carolina de Jesus. Celebrou o padre Antonio Joaquim de Azevedo. O mesmo nasceu em 05 de outubro de 1845.

28/10/1845 – Batizou-se na fazenda Cachoeira, a João, filho de Marianna Parda, escrava de José Gonçalves Pinheiro (genro de Jacintho Pereira Cardoso). Foram padrinhos Manoel Pereira e Eufrásia Crioula. A criança nasceu em 23/08/1845. Celebrou o padre João Batista de Sousa Lobo.

08/11/1899 - Faleceu no distrito de Campo Formoso, o Cap. José Pereira Cardoso, pioneiro na região.

27/11/1826 – Casaram em Santa Cruz, João Antonio de Araújo Valle, filho do capitão-mor João Antonio de Araújo Valle e de D. Innocência Cândida de Menezes, naturais de Pitangui-MG, e Maria Luíza de Jesus, filha do capitão Francisco José Pinheiro e Anna Maria Teixeira, naturais de Patrocínio-MG. São anteados do escritor Leo Lynce e fundadores de Morro Alto.

30/12/1848 – Batizou a Gabriel, filho de Luíza, escrava de Joaquim Fernandes de Castro. Foram padrinhos: Manoel Pereira Cardoso e Anna Carolina de Jesus. Celebrou o padre Antonio Joaquim de Azevedo.

CONTINUA...

ANSELMO PEREIRA DE LIMA

quarta-feira, 30 de novembro de 2022 1z1i2y

17 de julho de 1999: o dia que mudou as nossas vidas 5kh3v

O dia 17 de julho tem para mim um sentido muito especial. Primeiramente porque nasceu nesta data minha irmã Ionara Rosa de Lima, confidente e parceira de todas as horas. Depois, porque foi nesta data que perdi um breve e grande amigo: o Guilherme Pereira Machado. Foi em 1999, há mais de vinte e três anos.
Em 1999 foi o primeiro ano de funcionamento da Escola Família Agrícola de Orizona (EFAORI). A partir de articulações desde de 1997, lideradas por Antônio Pereira de Almeida (Baiano) e o professor João Batista Pereira de Queiroz, ambos da Comissão Pastoral da Terra, e de lideranças do Centro Social Rural de Orizona (entre essas destaco Manoel Ribeiro de Oliveira, Sebastião Fernandes de Oliveira e Francisco Pereira de Lima), resolveu-se colocar em funcionamento da escola naquele ano.
No intervalo desses dois anos, Baiano, Queiroz, as lideranças do Centro Social e educadoras como Aparecida Maria Fonseca e Luísa Maria Ribeiro Almeida fizeram um intenso trabalho de base por todo o município de Orizona, a fim de mobilizar a comunidade.
Com a parceria da Prefeitura Municipal de Orizona foi realizado o empréstimo da Escola Municipal Rio do Peixe. O prefeito era Anteres Vieira Pereira. Esse prédio estava inacabado e com pendências. A comunidade do Rio do Peixe não ficou satisfeita com a decisão da Prefeitura. Por isso, quando chegamos, uma das preocupações foi o relacionamento daqueles que ali viviam.
Depois de um mutirão, com a participação das famílias dos matriculados na EFAORI, para fazer algumas adequações no prédio, afinal a escola funcionaria por internato. Em 1ª de março de 1999 aconteceu a assembleia de abertura e a aula inaugural, em um dia muito chuvoso.
O tamanho da primeira turma variava, mas os que se estabeleceram no início foram 23 estudantes, de várias regiões de Orizona e Luziânia. Éramos uma turma rebelde, questionadora, tentando descobrir as possibilidades, mas muito comprometida com as atividades, principalmente as práticas, coordenadas pelo professor Felipe Antonio Dias (atual perfeito). A equipe de trabalho também era composta no primeiro ano por Francisco Pereira de Lima (Chiquinho), dona Maria do Dão (teve também a dona Rita), João Batista Queiroz (que assessorava a equipe pedagógica), Aparecida Fonseca, Luisa Ribeiro Almeida, Lúcia Claret Pereira e Antônio Baiano.
Ao final do primeiro semestre, aconteceu assembleia com as famílias, algo que acontece ainda hoje. Nessa altura, a turma tinha superado a maioria das diferenças e éramos um grupo bastante unido. O Guilherme, ao final da assembleia e do almoço coletivo, quando se despediu de meu pai João Bosco de Lima, disse:
- Nos vemos em agosto - contudo, isso não aconteceu.
Éramos em 1999 uma turma muito animada, que ‘pegava pra valer’ nas atividades práticas e jogávamos futebol, ora na quadra de cimento, ora no campo de futebol do Rio do Peixe. Também tinham as partidas de truco com vários praticantes e as rodas de violão com o Fábio Borges.
Dormíamos todos os homens em uma sala de aula improvisada para ser dormitório. Chegamos a pernoitar 20 jovens no mesmo quarto. As meninas, que eram três, dormiam em outra sala, com a monitora da noite. Quando deitávamos as 22 horas, sempre aguardávamos chegar por volta das 23 horas acordados, quando o Guilherme sempre conversava enquanto dormia. No outro dia, inventávamos um monte de mentiras sobre o que teria dito em seu sonambulismo.
No final de junho, saímos para as primeiras férias, cada qual para a sua propriedade rural, em localidades espalhadas pelo município de Orizona e também em Luziânia. Boa parte vivia na região do Buritizinho. Guilherme era um desses. Morava com a família no Mandaguaí, município de Luziânia. Também mantinham uma propriedade rural na região do Piracanjuba, próximo a Maniratuba. Guilherme era, apesar da juventude, um homem maduro e robusto, inteligente, bom jogador de futebol, cheio de amigos e querido pelas garotas.
Na tarde do dia 17 de julho, como de costume, Guilherme e seu irmão mais novo Ernane transitavam entre as duas propriedades e próximo ao distrito de Maniratuba se chocaram frontalmente com outro veículo. Acidente frontais geralmente são terríveis.
Como de costume, naquele final de tarde eu jogava futebol no campinho da nossa comunidade na região da Firmeza, construído na propriedade do Ramos de Sousa. Por acaso, tive um mal-estar, que me deixou com as ‘pernas bambas’, a ponto de ter que me sentar, algo muito anormal para alguém de 15 anos, com a forma física e saúde em dia. Pouco tempo depois, o Chiquinho, que também era da comunidade, veio e avisou ao Máximo de Castro e a mim sobre o ocorrido. Máximo era o único colega da mesma comunidade que eu.
No outro dia fomos para o velório, na propriedade da família, na região do Mandaguaí. Era impossível pior impressão: o velório foi de uma dor terrível. Era desesperadora a situação da família, que via no caixão o corpo de um filho, sobrinho, cunhado, primo e irmão já desfalecido, e ainda tinham que se preocupar o estado gravíssimo de saúde do Ernane, que era mais ou menos da minha idade.
A comunidade EFAORI, que ainda era pequena, compareceu integralmente. Não faltou nenhum dos colegas de sala, nenhum dos funcionários. Também foram várias famílias de estudantes, associados e diretores do Centro Social e parceiros da escola. Todos estiveram juntos e choraram ao lado da família, sem que ninguém arredasse o pé.
Depois do velório e da celebração na capela de Maniratuba, o plantaram no solo, no cemitério daquele distrito. Depois teve a missa de sétimo dia e o Ernane foi se recuperando, graças a Deus. Parece que inconscientemente ou secretamente, assumimos o compromisso de continuar a caminhada pelo Guilherme.
Acredito que, apesar de todo o processo de criação da EFA, aquela segunda quinzena de julho de 1999 foi a fundação definitiva da escola (claro que digo isso simbolicamento). Em agosto, estávamos todos de volta à escola do Rio do Peixe, sentindo aquele vazio, mas motivados a continuar aquele projeto, que não sabíamos onde iria chegar. Antônio Baiano comentou algumas vezes que aquele grave acontecimento uniu a turma de tal forma que permitiu a continuidade da EFA.
No segundo ano, adquirido com recursos da entidade belga SIMFR/ DISOP e da Prefeitura de Orizona, a escola ou a funcionar em terreno próprio, nas proximidades da cidade de Orizona, na antiga chácara do Miguelão. Ali, juntamente com outra turma e novos professores (César e José Augusto) e funcionários (José Francisco, Vasco e Maria Gomes), começamos novamente quase do zero. Depois vieram outras turmas, outros monitores, outros funcionários, outras famílias.
Em 22 de dezembro de 2001, no auditório do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Orizona, colamos grau e diplomamos os mesmos vinte colegas que retornaram em agosto de 1999:
- Adair José Pereira
- Alberto Caixeta de Sousa
- Amador José Caixeta Júnior
- André Alistor de Oliveira
- Anselmo Pereira de Lima
- Ernando da Silva Pereira
- Fabiano Peres
- Fábio Borges de Oliveira
- Fábio Sebastião de Lima
- Fernando Fernandes de Oliveira
- Ivan Carlos Caixeta
- João Flávio Caixeta
- Júlio César Caixeta
- Keila Maria Lúcio
- Mariana Correia
- Máximo de Castro
- Luciano Alves Ferreira
- Osmando Ferreira de Sousa
- Samuel Matias de Araújo
- Solange Pereira.
Em 2007, quando eu era professor/ monitor na EFAORI, outro fato parecido voltou a nos abalar numa manhã de segunda-feira, o estudante Maximiliano, enquanto seguia para a sessão escolar na EFA, se chocou com um caminhão e também faleceu. Mais uma vez a escola se uniu e enfrentou mais uma tragédia envolvendo estudantes. Depois daí, outros egressos se foram por problemas de saúde e nos deixaram um vazio muito grande: Lucas, Jozélio e Fabrício.
São mais de vinte e três anos desde a morte do Guilherme, a EFA segue o seu propósito, de formar cidadãos e cidadãs técnicos e técnicas em Agropecuária pela Pedagogia da Alternância. E se prepara para receber a 25ª turma em 2023, com uma demanda cada vez maior. E faz isso de forma muito competente, para orgulho daqueles e daquelas que pela EFA aram e deram a sua parcela de contribuição e que por outro lado, receberam muito da escola.

NOTA 1: Em 2001, foi inaugurada a praça de esportes da Escola Família Agrícola de Orizona, com a presença da família do Guilherme e realização de torneios de futebol Society. Foi descerrada uma placa, dando o nome à praça de Guilherme Pereira Machado. Por uma necessidade de gestão, posteriormente a praça de esportes teve que ser transferida para outro local da escola.

NOTA 2: Por ter um caráter muito pessoal, peço perdão desde já, caso tenha ofendido ou contrariado alguém com esse texto. Afirmo que foi com a melhor das intenções que o escrevi e com o propósito também de homenagear um amigo e também a EFAORI.

ANSELMO PEREIRA DE LIMA

segunda-feira, 28 de novembro de 2022 4s1i2d

A trajetória de Jacintho e a sua colaboração na formação da região do Taquaral 405ua

Temos em Orizona a tradição de chamarmos uma grande descendência familiar pelo nome de um anteado comum. Daí, temos ‘os Jacintos’, ‘os Albinos’, ‘os Venâncios’, ‘os Lourenços’, entre outros, mesmo que a pessoa não tenha herdado o sobrenome. Neste texto, trataremos do anteado comum de uma importante família do Taquaral, que se espalhou pelo município de Orizona: Jacintho Pereira Cardoso Júnior.
Jacintho Júnior nasceu em 1827 em Patrocínio, Minas Gerais, filho de Jacintho Pereira Cardoso e de Joaquina Rosa de Jesus, sendo que a mãe faleceu em 20 de maio de 1829. Era o irmão mais jovem do capitão José Pereira Cardoso (nomeado capitão da Guarda Nacional em 1883, lotado na 3ª companhia de Santa Cruz). Seu pai era filho de Manoel Pereira Cardoso e Ana Joaquina de Jesus e a mãe, filha de Antonio Gonçalves Pinheiro e Violante Antonia de Jesus.
A família paterna tinha origem na ilha de Açores, em Portugal e a materna, migrou de São Francisco de Paula para Patrocínio. Cabe aqui fazer referência a pesquisa do escritor e médico Fabrício Nunes, que publicou recentemente Fazenda Marinheiro – Orizona: uma viagem genealógica entre a Europa e os sertões do Brasil (2022), um trabalho primoroso que traz informações inéditas a respeito de algumas famílias. Em suas indagações em Patrocínio, contou com o apoio de Adeilson Batista, importante odontólogo e historiador. Em breve, traremos em parceria com o de empresas e agropecuarista Jeová Vieira, mas informações interessantes sobre a história desta família, especialmente em Orizona.
Ficando órfão de mãe, Jacintho Jr teve o cuidado de mulheres escravizadas e da segunda esposa do pai, Anna Rosa da Conceição. Seu pai Jacintho, o tio Francisco, a tia Justa Zeferina e os irmãos Maria Roza de Jesus, Antonio e João Pereira Cardoso foram os pioneiros da família a ocupar o sertão de Santa Cruz, ainda na década de 1830. Jacintho, o pai, vivia em Vai-Vem (Ipameri), Francisco Pereira Cardoso na região da Cachoeira, a tia Justa, viúva de Manoel Pereira Cardoso Filho, tinha terras na Firmeza e Taquaral. O irmão João, Antonio e Maria viviam no Vai-Vem. O irmão Francisco (Chico Grosso) também foi para a Cachoeira e José Pereira Cardoso, apesar de não termos documentos sobre a sua chegada, estava casado com a primeira esposa e foi viver na região da Pedreira de Baixo, Santa Luzia (Luziânia). Depois, todos esses foram expandindo seus domínios para onde hoje é Orizona, num grande raio a partir da Cachoeira. Diferente do que se pensa, essas famílias mantiveram o vínculo com as comunidades de onde vieram (Minas Gerais) e tinham ali, propriedades e negócios.
Jacintho Júnior, mesmo antes da vida matrimonial, já possuía terras sob a sua responsabilidade. Da herança de seu pai, falecido antes de 1857, pelo menos parte foi vendida ao irmão Francisco. Parte de suas terras vieram também da herança junto ao sogro Fulgêncio de Sousa França, da região do Taquaral, falecido em 1856 (ver o blog Historiografia para Catalão).
Casou-se com Balbina Maria de Jesus, filha de Fulgêncio e Rita Maria de Jesus, na Capela de Nossa Senhora do Rosário de Santa Cruz em 09 de outubro de 1848, tendo como celebrante o padre Antonio Francisco do Nascimento e padrinhos, Antonio Rodrigues do Nascimento e Manoel Pereira Cardoso. Do consórcio, tiveram os seguintes filhos:
1. Eduardo Pereira Cardoso, casado com Ana Vieira de Jesus; depois com Carolina Vieira de Jesus; e Theodora Maria de Jesus.
2. Nicolau Pereira Cardoso.
3. Zeferina Maria de Jesus, casada com Emídio Correa Peres.
4. Carolina Maria de Jesus, casada com Gabriel Pereira da Cunha.
5. Terêncio Pereira Cardoso, casado com Rosenda; e depois casado com Paula Francisca Piedade.
6. Antonio Pereira Cardoso.
Jacintho Júnior, além da atividade agropecuária, teve uma importante carreira política, representando os interesses de Campo Formoso ou Correia junto a Santa Cruz. Em 1866, no esforço da chamada Guerra do Paraguai, doou o dízimo, juntamente com outros produtores, para auxilio à Província de Goiás.
Em 1869, foi listado na seleta e restrita relação de votantes de Santa Cruz, que podiam se tornar vereadores. Em 1872, teve 79 votos em Santa Cruz enquanto candidato a deputado provincial, o sexto mais votado no colégio. Em 1873, foi nomeado terceiro suplente de juiz municipal e de órfãos, tendo prestado juramento à Câmara Municipal em 19 de junho daquele ano. Novamente foi nomeado para a função em 1876. A partir desta data, não temos registros a respeito de Jacintho.
Dentro da família de Jacintho, a maioria se dedicou a agricultura e aos cuidados domésticos. Eduardo era famoso carreiro e Terêncio, que herdou parte dos dons do pai, também se dedicou a política e ao serviço público, além de ter mantido uma pequena farmácia, sob orientação da tia Maria Vieira d’Abbadia, esposa do Cap. José Pereira. O povoado do Taquaral foi construído em área doada pela família de Eduardo Pereira Cardoso. Sua terceira esposa, Theodora, foi quem se encarregou de providenciar a transferência da documentação da área da Capela para a Paróquia Nossa Senhora da Piedade.
Taquaral é uma região que cresceu e se fortaleceu muito aos longos dos anos, graças a um forte espírito comunitário e associativista. Desde meados de 1770, quando foi aberta a picada de Santa Luzia a Bonfim (Silvânia), que corta a região, o povoamento aumentou e cresceu mais a partir dos anos de 1820, com a onda migratória de Minas Gerais para o sul de Goiás. Viajantes estrangeiros nas primeiras décadas do século XIX também aram por ali e teve quem registrasse a respeito. O marechal Cunha Mattos, registra em seu diário de viagem que em 31 de agosto de 1823 dormiu na beira do ribeirão Santana e que, graças a um oficial contador de histórias presente em sua comitiva, teve muito medo. O mesmo contava que uma sucuri que maior não tivesse vivia por ali e atacava as pessoas, causando algumas vítimas.
Além dos descendentes de Fulgêncio e Jacintho, tempos também os que vieram depois de José Francisco Correa, Manoel Joaquim Bastos, Francisco Rodrigues Xavier, além de outras famílias que vieram para região e também contribuíram com a comunidade desde então. Por que não falar dos Cunhas, Vieiras, Oliveiras, Martins, Linos, Guimarães e muitos outros?

APÊNDICE POLÊMICO:
O sogro de Jacintho, Fulgêncio de Sousa França ou Fulgêncio Caetano de Sousa, veio de Itabira do Mato Dentro, em Minas Gerais. Instalado na região do Taquaral, tinha propriedades confrontantes com os Correas, os Barbosas, os Sousa Bastos e os Fernandes de Castro. Conforme registros dos padres Ramiro de Campo Meirelles e José Trindade da Fonseca e Silva, foi esse mesmo Fulgêncio que construiu inicialmente a capela, que foi doada por João Correa Peres.
Alguns estudiosos da história orizonense considera o Esboço Histórico da Paróquia N. Senhora da Piedade Orizona – Arq. De Sant´Ana – Goiaz (1945) descabido ao fazer essas afirmações, mas, depois de tanto buscar entre as traças, acredito que é o mais plausível. João Correa é uma figura muito presente na metade do século XIX em Santa Cruz e Capela dos Correas, assim como Antonio, José Arcângelo e Bento, todos filhos de Jozé Correia Peres, originários de Santa da Barra do Espírito Santo (Santana dos Patos), hoje distrito de Patos de Minas. Sobre Fulgêncio, não encontramos nenhuma informação, a não ser de Fulgêncio Correa Peres, filho de Zeferina Maria de Jesus e Emídio Correa Peres e portanto, bisneto do outro Fulgêncio (informação dada por José Correia a Jeová Vieira). Obviamente este viveu bem mais recentemente.
Esse ime histórico inclusive foi citado em ORIZONA: CAMPO E CIDADE (2010), de Olímpio Pereira Neto.
Agradeço também às contribuições do amigo Paulo Sampaio, gestor da cultura em Pires do Rio, que nos disponibilizou informações importantes para esse texto.

ANSELMO PEREIRA DE LIMA

Foto: Nilsinho Vaz.

sábado, 26 de novembro de 2022 3m482f

As histórias contadas por meu pai embalaram uma vida toda 2d6x61

Em setembro de 2021, na primeira consulta com a Dra. Flávia de Castro Vellasco, no Hospital das Clínicas de Goiânia, decidimos encaminhar a documentação para pleitear uma vaga na lista de transplante pulmonar da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. O pedido, enviado pela assistência social do HC/UFG, andou muito rápido à Central de Transplantes e logo fomos chamados para a primeira consulta na capital gaúcha, realizada em 03 de dezembro subsequente.
Nesse interim, minha esposa Iara, que na prática é quem coordena o tratamento e providencia os encaminhamentos mais importantes, procurou conhecer melhor os trâmites, pessoas que estavam em lista e transplantados, e mesmo os profissionais de saúde envolvidos. Entre estes, o pneumologista e cirurgião torácico J.J. Camargo (já escrevi sobre ele antes), uma lenda viva em Porto Alegre. Sua fama o precede e não seria por menos: a Santa Casa se tornou uma das grandes referências no país em transplantes de diversas naturezas especialmente por causa da equipe vem coordenando.
Camargo, fora do centro cirúrgico, e um ótimo contador de histórias e ‘causos’ (como dizem os goianos), com uma fala agradável, pausada, que abrilhanta lives, podcasts, conferências, mesas redondas, além de abrilhantar semanalmente as páginas do jornal Zero Hora e encadernações de diversos livros de crônicas que publicou, alguns se tornando best-sellers. Pudemos conhecer os dois lados do médico e professor. E nos encantamos (minha mãe então nem se fala).
Do outro lado, vivendo em uma chácara no município de Pires do Rio, meu pai João Bosco possui um currículo escolar bem mais modesto que o Camargo, mas isso não o desmerece em sua trajetória pessoal de agricultor, líder comunitário, cooperativista e sindical. Mas pretendo falar desse homem fascinante por um viés pessoal (de filho), que ao lado pude viver alguns dos melhores momentos de minha vida, alguns em meio à dor e ao medo.
Para a maioria das pessoas, talvez isso seja irrelevante, mas chama a atenção o quanto meu pai e seus irmãos tem um dom para ouviu uma história e reconta-la dezenas de vezes de forma fidedigna. Parece que essa característica que foi herdada de minha avó paterna Catarina, que herdou de sua mãe Luzia.
Certa vez meu pai contou sobre um episódio conhecido em Orizona: a briga entre a família Veloso e os ciganos, que ouviu de sua avó Luzia há mais de trinta anos (nossa família era próxima dos Veloso). O relato trágico é incrivelmente parecido com o que aparece no livro Nomes de Nossa Terra, do professor Olímpio Pereira Neto, mas certamente não lera aquela publicação para repeti-la.
Em minha infância e adolescência na região da Firmeza, o trabalho começou muito cedo, por volta de meus cinco anos de idade. Lembro que no início tinha dificuldades até de erguer a ferramenta, mas o trabalho era necessário. Apesar da preguiça comum a infância e juventude, meu pai criava artifícios para que me concentrasse e motivasse no serviço. Uma vez, roçando uma capoeira na terra de meu avô paterno, estava cortando muito alto com a foice. Para me repreender disse:
- Se você não cortar o mato mais baixo, vai espetar os aviões que costumam ar voando por aqui.
Ao longo dos anos, uma diversidade de tarefas (capina, roçagem da pastagem, plantio e até a colheita dos grãos, manejo do gado e porcos, viagens de trabalho e eios a cavalo muitas outras) se tornaram agradáveis por sua presença e pela conversa diária, contações de histórias de episódios que aconteceram com familiares e pessoas conhecidas do presente e do ado. São contos do dia a dia que encheriam muitos livros, caso fossem escritas. E ele abrilhanta as suas histórias com imitação dos personagens reais e de um toque de humor. Também é um ótimo contador de piadas. Quantas vezes o ouvi contando sobre Zé Vicente, João Vicente, seu Jovando, Dito Pedro, Joaquim Gregório, o bisavô Manoel, tio Miguel Sousa, tio Venerando, vó Carola, vô Jesus, a trisavó Jovita, e muitos outros.
Depois de minha juventude e início da vida adulta, que fui ‘cuidar de minha vida’, afastamos um pouco. As antigas atividades juntos retomaram depois que papai e principalmente eu fomos cuidar da saúde e um pode contar com o outro durante o tratamento (principalmente eu pude contar com ele). Juntos por horas, colocamos o papo em dia. Tento também contar minhas histórias, mas não são verdadeiras e confiáveis como as suas, pois tenho uma memória que me trai.
Recentemente, o escritor Fabrício Carpinejar disse em seu livro Cuide dos pais antes que seja tarde que “Todo filho é pai da morte de seus pais”. Seu pai, o imortal gaúcho Carlos Nejar disse em seu Crônicas de um imortal ou (in)vento para não chorar que a nossa morte não pertence a terceiros, nem aos filhos, já que ninguém poderá vivenciá-la em nosso lugar ou ao nosso lado. Contudo, a velhice poderá ser compartilhada com nossos entes. E se espera que isso aconteça.
Meu pai (e minha mãe) estão, por necessidade e por necessidade, prolongando os seus deveres para comigo e isso dobra a minha responsabilidade para com eles em suas velhices ou situações de doença. E isso também estende no caso de minha família que vive em Porto Alegre, uma vez que esposa e filhos também se tornam meus pais e mães.
E quero poder ouvir muitos causos de meu pai, seja numa viagem de carro, na roçagem de pasto, na capina da lavoura, no cuidado dos porcos. Quem sabe, possamos publicar um pouco dessas histórias tão interessantes e revigorantes e contribui muito para conhecer a história de nosso município de Orizona e de toda a região. E que isso seja estendido aos demais, que caminham de forma tão firme a meu lado.

ANSELMO PEREIRA DE LIMA

quarta-feira, 23 de novembro de 2022 293x53

As Homenagens por ocasião da morte de Egerinêo Teixeira 4b4t1f

Estamos seguindo para o terceiro texto subsequente em que tratamos de algum fato ou momento da vida do jornalista e ex-prefeito de Orizona Egerinêo Teixeira. Há sete anos aproximadamente, que venho dedicando a pesquisar sobre a vida e obra do mesmo. Nesse período, selecionamos algumas centenas de documentos para o que seria um livro sobre a sua vida, mas que não foi possível por enquanto.
A partir da pesquisa sobre Egerinêo que avancei no estudo sobre a história da região sudeste de Goiás, especialmente de Orizona, além da genealogia das principais famílias. Parto do princípio que, dentro do possível, toda pesquisa deve ser documental e que os relatos orais servem para direcionar os estudos historiográficos. E é assim que faço em todos os textos em que apresento estudos históricos.
Com o falecimento, Egerinêo, que era muito próximo de Cônego Trindade, apesar de não ser um cristão devoto, foi sepultado na Igreja Matriz de Campo Formoso, junto de alguns notáveis e políticos influentes, como o seu sogro Cel. José da Costa Pereira Sobrinho. O prefeito nascera em 11 de janeiro de 1899 em Bela Vista-GO, filho de famílias principalmente de Santa Cruz (falaremos de sua biografia posteriormente).
Após a sua morte, recebeu muitas homenagens em outros municípios da região, sendo homenageado com nomes de ruas, avenidas, praças e povoados. Em Campo Formoso, até que fosse nomeado um prefeito interventor, seu sobrinho Geraldo Araujo Valle (filho do irmão Idomineo Marques) assumiu a função de encarregado de expediente da Prefeitura e emitiu os decretos nº 19, 20 e 21, abrindo crédito suplementar e normatizando homenagens. Sebastião Lobo, importante comerciante e fazendeira de Bela Vista, era naquela época prefeito do município e parente de Egerinêo. Assim, como primeira iniciativa, o homenageou dando nome da Rua 24 de outubro para Rua Egerinêo Teixeira, pelo decreto municipal nº 10. Um ofício foi encaminhado à viúva Carolina Teixeira, com data de 04 de julho de 1938:

 

PREFEITURA MUNICIPAL DE BELLA VISTA

ESTADO DE GOYAZ

 

Em 4 de Julho de 1938.

 

Exma. Sra. Dona Carolina Teixeira.

 

                Comunico-vos que esta Prefeitura, prestando de uma singela homenagem e memória do grande filho de Bela-Vista que tombou morto, covardemente assassinado, no cumprimento de seu dever, baixou o decreto nº 10, do qual incluo a este uma cópia, que dá o nome de Rua Egerineu Teixeira a uma das principaes artérias desta cidade.

 

                Respeitosas saudações.

 

SEBASTIÃO LOBO

Prefeito.”

 

                Exatamente um mês depois, a esposa respondeu ao ofício, num gesto de agradecimento:

 

“Campo Formoso, 4 de agosto de 1938

 

Exmo. Sr. Sebastião Lobo

DD. Prefeito Municipal

BELA VISTA

 

                Acuso o recebimento do ofício s/n, datado de 4 de julho próximo findo, de V. Excia., em que teve a bondade de me comunicar da mudança do nome da Rua 24 de Outubro, dessa cidade, para o nome do meu falecido marido Egerinêo Teixeira, assim como da cópia do decreto relativo a essa mudança, lavrado por V. Excia.

                Peço a V. Excia. Que compreenda a minha gratidão por esse gesto de homenagem à memória do meu esposo, pois essa gratidão é daquelas que não se expressa por palavras.

               

                Atenciosas saudações.

 

CAROLINA TEIXEIRA”

 

                O primeiro ato de homenagem de Campo Formoso e Estado de Goiás através de medida que mudou a nomenclatura de espaço público foi a mudança do nome da estação de Ubatan e do povoamento ao redor para Egerineu Teixeira, permanecendo assim até 2009, quando a Câmara Municipal decidiu pela retomada do nome antigo. O jornal NOSSA FOLHA de Pires do Rio-GO, registrou em sua capa, na edição nº 23 de 04 de maio de 1940 a mudança do nome da estação:

 

ESTAÇÃO EGERINEO TEIXEIRA

                Egerineo Teixeira é o novo nome da antiga Ubatan, estação da Estrada de Ferro Goiás e ponto de desembarque do ageiro que procura a cidade de Campo Formoso. Logo após o amento trágico do inolvidável jornalista-prefeito, Egerineo Teixeira, a cidade de Campo Formoso e o Estado de Goiás sentiram-se profundamente golpeados na sua reserva de homens de valor; e um dos gestos que bem refletiram o apreço e a consideração que os goianos dispensaram sempre ao inditoso finado, foi o de emprestar o seu nome à Estação de Ubatan. Póstuma e merecida homenagem, expressiva revelação do veludoso carinho dispensado por Goiás a seu filho ilustre.

                Tudo a na terra; mas a memória do talento e das belezas do coração perdura respeitada pelos séculos. Egerineo que era a lidima encarnação destas nobres qualidades, não podia ficar esquecido na letargia do morto, pelos seus coestaduanos.

                A Justiça trajando a indumentária inconsútil da equidade, abriu um sarcófago e com o sinete da imortalidade retirou dali um nome: Egerineo Teixeira.

                Hoje Egerineo Teixeira é a Estação de Ubatan”.

               

Orizona também homenageou o ex-prefeito com o nome de uma das principais vias públicas, que ligava o Centro ao bairro Nossa Senhora de Fátima e a saída noroeste da cidade: A avenida Egerineu Teixeira. Outras localidades como Anápolis, Goiânia e Catalão possuem vias públicas que homenageiam o prefeito-jornalista.
Talvez a homenagem mais expressiva foi a transferência do corpo de Egerinêo para Bela Vista, amplamente registrada e abordada na época pela imprensa e por outros como os escritores José Lobo (cunhado de Egerinêo), Victor de Carvalho Ramos e mais recentemente por Olímpio Pereira Neto em seu “Orizona: Campo e Cidade – 2ª edição). A pedido da comunidade bela-vistense e de sua família, o corpo foi exumado, em um cortejo marcado por homenagens em Campo Formoso, Vianópolis, Bonfim (Silvânia) e Bela Vista, e depois foi sepultado na terra natal. Um texto expressivo e que marcou a história da imprensa goiana foi a crônica “Ossos que Cantam Vitória”, do Cônego José Trindade da Fonseca e Silva (Cônego Trindade), pároco de Campo Formoso e Santa Cruz, que fala de sua vitória, mesmo sendo fisicamente abatido por um adversário.
Citamos abaixo algumas publicações a respeito de Egerinêo Teixeira, feitas por amigos e colegas da política e da imprensa após o seu falecimento:

 

CÔNEGO TRINDADE (padre, escritor e político):

“Egerinêo morreu antes do tempo. Pesava sobre ele aquele espírito irrequieto de mocidade que tudo quer compreender seu organismo, por másculo que fosse, era resistente para tanta elucubração. Dir-se-ia! ‘Erásmico’ da conquista de um ideal. Seus preceptores foram os livros policrômicos. Leu todas as correntes filosóficas. Foi político para por em prática todas as suas ideias humanistas”.

 

GUILHERME XAVIER DE ALMEIDA (político e intelectual goiano):

“... Em campanha não conhecia o meio termo. A sua gargalhada enorme soava como um clarim. De seu tinteiro forravam ondas de sarcasmos. Às vezes terá ofendido mais do que devia... Quem tem os olhos nas estrelas pode engomar-se nas encruzilhadas. Mas a verdade, para quem lhe contempla a trajetória geral da vida, é que sua jornada foi para a frente e para o alto...”

                               

VITOR DE CARVALHO RAMOS (escritor e jurista goiano):

“... Sua situação na imprensa deu-lhe lugar de relevo entre os maiores polemistas da terra goiana. Tinha personalidade. Seu estilo, em idioma escorreito, encantava pela simplicidade, clareza e verve. De uma coragem cívica a toda prova, arriscava a vida quando saía a campo a reduzir às próprias proporções os zoilos do poder, que a si mesmo se arrogavam o direito de espoliar o patrimônio da comunidade. Com uma penada punha abaixo os falsos ídolos, de corpo de bronze e pés de barro. Movia-o a combate-los não a despeito, o ódio pessoal ou quaisquer interesses subalternos, mas o desejo único de bem servir a causa coletiva”.

 

ODORICO COSTA (jornalista e político):

“Jornalista perfeito, político dos mais nobres e dos mais puros ideais, cidadão inatacável, Egerinêo Teixeira enche os traços fulgurantíssimo largos trechos da história de Goiás destes últimos anos.

De traços tão brilhantes, que fazem lembrar essas figuras formidáveis das fronteiras dos prédios entre fidalgos e portugueses e os mouros, esses lidadores magníficos vestidos de lorigão, de malhas de ferros, empunham do durindanas e puríssimo aço toledano, alcançando-se desabrido no alarido das justas e dos recentros, iluminados de fé e ordenado de amor por sua terra”.

 

GERALDO ARAÚJO VALLE (jornalista orizonense):

“Foi um bólido que ou, cintilou e desapareceu. Se Egerinêo Teixeira fosse carioca ou paulista, seu nome seria hoje um impacto na história, especialmente de jornalismo, da literatura e da política. Como político é um inadaptável por ser intransigente e idealista puro. Como literatura trazia na beleza do estilo, no emprego originalíssimo do  vocabulário e na riqueza de imagens, algo singular, pessoal, único, isso na clareza e simplicidade das expressões, sem empolamentos e rebuscamentos”.

 

OFÉLIA DI TEIXEIRA (professora e jornalista orizonense):

Falar sobre meu pai, é voltar ao ado, é reviver momentos alegres e também momentos tristes. Meu pai tinha uma grande vocação pela política, muito inteligente, arrojado, tinha loucura pelos livros, possuía uma cultura e preparo istrativo. Quando solteiro foi nomeado o promotor público, antes de ser prefeito em Campo Formoso. Manobrava a política e era um grande jornalista. No setor da agricultura, ele contratou um agrônomo, vindo de Paracatu-MG, para a implantação da agricultura mecanizada. No setor de transporte, muito contribuiu para a realização de várias obras, como as rodovias para Pires do Rio, Santa Luzia (atual Luziânia), Bonfim que hoje é Silvânia. Meu pai conseguiu uma jardineira bem moderna para a época, a qual fazia o trajeto Ubatan (hoje Egerineu Teixeira) a Campo Formoso, atual Orizona. Era um homem com grande potencial, corajoso e não poupava esforços para fazer um bom trabalho”. (DEPOIMENTO A DEUSENIR ALVES DE OLIVEIRA).

 

Com o tempo, as pessoas vão sendo esquecidas ou ficam desconhecidas das novas gerações. É um processo bastante natural. Por isso mesmo é importante reativarmos essas memórias.

ANSELMO PEREIRA DE LIMA

(E-mail: [email protected])

 

segunda-feira, 21 de novembro de 2022 463e6s

A minha relação e não-relação com o Cigarro 4e5b4c

Na minha infância e primeira adolescência, em muito pouco convivi com pessoas fumantes. Vivendo na comunidade Estiva de Cima, vinculada à sede do povoado de Firmeza, em Orizona, não convivia com pessoas que tinham esse hábito, uma vez que o tabagismo era muito combatido naquela comunidade católica, organizada através de um núcleo das CEBs – Comunidades Eclesiais de Base.
Naquela época, não existia nenhum fumante ali e apenas um dos viventes fumara na juventude, mas também tinha deixada o hábito e não cheguei a viver esse período. As poucas vezes com convivi com fumantes foi nas visitas a meu avô materno, que era adepto do cigarro, e na pouca convivência de alguns tios, mas que não me afetava. Também estava sujeito na convivência na escola secundária, nos jogos de futebol que ia sempre, nas saídas para outros povoados e para a cidade (eu não saia muito). Com o tempo e após conhecer os lugares, concluí que a média de fumantes em Orizona é inferior a outros lugares pelo qual ei, talvez pela consciência da população, adquirida através das CEBs, igrejas cristãs em geral e organizações civis, que realizaram campanhas ao longo dos anos com um propósito educativo.
Depois de concluir o Ensino Médio e Técnico em Agropecuária, fui viver em Urutai e fiquei mais exposto, pois eram muitos os colegas que apreciavam aquela droga lícita, mas posso dizer que nunca fui um fumante ivo em toda a minha vida, uma vez que era só sentir a fumaça do cigarro e logo saía de perto, pois me incomodava muito.
A partir do final de julho de 2018, por problemas pulmonares, fui percebendo que tinha alguma doença pulmonar crônica. Em todas as consultas e exames que fui, quando o/a profissional de saúde me atendia pela primeira vez, era (e é) feita sempre a mesma pergunta:
- Você é fumante? Vive com alguém que fuma?
Outras perguntas, pelo diagnóstico de Pneumonite de Hipersensibilidade, também aconteciam algumas: se eu trabalhava em mina de carvão; se eu trabalhava em olaria; se tinha contato com mofo; se em minha casa tinha pássaros como pombos e calopsitas. Tirando o mofo que é difícil de controlar, todas as hipóteses eram descartadas, mas os questionamentos sobre o tabagismo eram inevitáveis.
Não entendo, mesmo sabendo os motivos, que o cigarro comum seja considerado uma droga lícita. São diversas as substâncias tóxicas presentes, que se fossem isoladas e consumidas em maior quantidade, seriam letais em uma única vez de consumo. Portanto, a morte é parcelada em ‘doses homeopáticas’ e provavelmente a vida dos usuários será abreviada por doenças pulmonares, cardiovasculares ou por alguma espécie de câncer.
Se não convivi com tabagistas até a minha adolescência, isso ou a ser comum na vida adulta. Obviamente que para quem vive em qualquer cidade, essa convivência é inevitável, mas ei a viver ao lado de vítimas do produto: em minha família, vi meu avô vir definhando a ter a sua vida tomada pelas consequências do consumo, apesar de ainda poder experimentar uma vida longa. Na família de minha esposa, também convivi com usuários.
Relatei tudo isso para comentar sobre o impressionante consumo do cigarro de nicotina que é possível observar em Porto Alegre, principalmente entre pessoas com idade abaixo de quarenta anos. E é um consumo generalizado, em classes sociais diferentes, entre as mais diferentes correntes ideológicas e níveis de instrução. No século XXI, começou-se a retomar as práticas incentivas pelo cinema nos anos de 1940.
Hoje, além do cigarro comum, temos os cigarros eletrônicos, narguilés e outros, inclusive drogas ilícitas, que tem em comum, além de proporcionar a dependência química, o risco iminente de doenças graves e de mortes, tanto entre consumidores, quanto em pequenos agricultores que cultivam o tabaco para sobrevivência e enfrentam sérias doenças por conta da atividade, muito comum no Sul do Brasil. Os dados oficiais indicam uma redução significativa no consumo desde 2006 a 2021, quando caiu de 15,7 para 9,1% dos brasileiros em idade adulta, sendo que o público masculino é o maior consumidor (Vitegel Brasil). Em 2015, foram gastos no Brasil, aproximadamente 26,3 bilhões de reais no tratamento de doenças pulmonares e cardiovasculares relacionadas direta ou indiretamente ao consumo de cigarro.
Para quem luta pela sobrevivência diariamente e vê tantas pessoas tentando se manter vivas frente a doenças pulmonares, corre-se o risco de ser preconceituoso às vítimas do vício, mas é um exercício que tenho feito no sentido de evitar julgar os fumantes. Mas nem todos tem a mesma ‘paciência’ que eu. Na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, muitos pacientes, acompanhantes e funcionários (inclusive da pneumologia e transplante pulmonar), deixam os hospitais para fumarem nas praças. Um dia desses, enquanto fazia a reabilitação pulmonar, a fisioterapeuta, olhando pelas enormes vidraças da sala, me disse:
- Está vendo o quanto as pessoas fumam aqui? Logo estarão aqui dentro procurando socorro, lutando pra não morrer!
O cirurgião torácico José de Jesus Peixoto Camargo, o primeiro a realizar transplante pulmonar na América Latina, em 16 de maio de 1989, o fez com um jovem agricultor de Santa Catarina, que tinha na época, 27 anos de idade, e conta que era fumante e sofria com um enfisema pulmonar. A cirurgia foi um sucesso, mas depois de algum tempo, o mesmo voltou a fumar e não sobreviveu, mesmo com um pulmão novo.
Vejo nessa realidade, a necessidade dos poderes públicos e da sociedade civil é fundamental. Conforme o Instituto Nacional do Câncer (INCA), “A prevalência de tabagismo é o resultado da iniciação (novos usuários de tabaco) e da interrupção do consumo (por cessação do tabagismo ou morte). A identificação dos fatores determinantes da iniciação e da cessação do tabagismo é, portanto, fundamental para o planejamento de ações específicas para o controle do tabaco”.
O Ministério da Saúde e as secretarias estaduais e municipais, podem ser munidos de infraestrutura, equipamentos e o país possui várias instituições de pesquisa para enfrentamento deste problema. O que falta é orçamentos suficientes nos entes federados e ações direcionadas nesta área. Infelizmente, o tabagismo enriquece empresas, contrabandistas e favorece a um perigoso mercado mundial, que vive de lobbie para se manter.

ANSELMO PEREIRA DE LIMA

Imagem: Ultraspecialisti.

sexta-feira, 18 de novembro de 2022 1x2z47

Relatos sobre o assassinato do prefeito e jornalista Egerinêo Teixeira xz1b

A expressão “quem conta um conto, aumento um ponto” é tão comum que não sabemos de onde surgiu. Para ilustrar acontecimentos na história de Campo Formoso (Orizona), vou correr o risco de cometer devaneios em relação aos episódios que levaram à morte do jornalista e ex-prefeito Egerinêo Teixeira, em 06 de junho de 1938, uma quarta-feira.
Para as pesquisas de seu livro, o professor Paulo Acácio de Sousa em uma ocasião entrevistou o senhor Ivo Costa, que na época do crime era um jovenzinho e estava no largo da matriz de Campo Formoso, com outras pessoas, em local onde foi o posto de gasolina e a residência familiar do Sr. Florentino Vieira Pereira (Florentino Albino). Paulo Acácio ouviu a história e em dias subsequentes me contou em sua residência. Cheguei em casa e depois de um tempo transcrevi a mesma para um caderno. Portanto, é possível que eu mesmo tenha modificado nesse interim as informações a mim readas, apesar do relatado ser muito parecido com o que apareceu em jornais da época.
Conforme contam, enquanto prefeito, Egerinêo teve a atribuição de distribuir (redistribuir) os cartórios do município, conforme determinações do governo de Getúlio Vargas. A família de Benedicto Almeida (foto abaixo ao volante), um protegido de seu irmão Cylenêo de Araújo, tinha interesses em obter a concessão de um cartório, mas o prefeito não cedeu, deixando-o enfurecido e especialmente a sua esposa, Geronima Goulart de Almeida (Bebé), que tinha grande influência sobre seus atos, o pressionando a dar cabo no prefeito.
Contava-se na época em Campo Formoso, quase como uma lenda urbana, que a mulher tinha chegado a dizer ao marido:
- Ou você mata o Egerinêo, ou eu visto as suas calças e faço eu mesma.
Conforme presenciado por testemunhas, o episódio aconteceu assim:
Egerinêo descia a rua Cel. José da Costa a pé, no meio da manhã, vindo ou de sua casa ou da Prefeitura (o mesmo morava onde atualmente é a Agenfa e a Prefeitura funcionava acima do Mini Box Boca de Lobo). Benedicto estava na janela de sua casa à rua Cel. José Pereira Cardoso fumando e olhando para a praça (vivia em uma casa de residência onde hoje é a Casa dos Parafusos). Ao ver o prefeito descendo a rua no outro lado da praça, deu a volta e foi abordá-lo.
Quando o algoz alcançou a esquina (onde funciona a Casa do Fazendeiro), chamou Egerinêo que tinha ado para frente e começava a descer a rua abaixo da praça:
- Vira para que eu possa te matar.
Egerinêo virou e o mesmo atirou por algumas vezes, sendo que cinco o atingiram: “dois pelas costas, dois de flanco e um de frente”. Dizem que o prefeito tentou revidar atirando nele alguns tijolos, mas já era tarde. Chegaram alguns populares (tinham dezenas de pessoas na praça) e Benedicto fugiu dali mesmo, atravessando o ribeirão Santa Bárbara e não mais sendo visto até mais tarde, quando se apresentou à polícia. Esta versão oral pode ser confirmada por matérias dos jornais "O Estado" (SC, nº 7.391 de 16/06/1938), "O Jornal" (RJ, de 18/06/1938), entre outros.
Após o ocorrido, a delegacia de Polícia de Campo Formoso foi designada para conduzir o inquérito, mas pela falta de celeridade e pela pressão local, foi encaminhada pela secretaria estadual de Justiça e Segurança Pública uma comissão para investigar o caso, comandada pelo Sr. Hamilton Vellasco, que saiu da antiga capital goiana (Cidade de Goiás). Permaneceram entre o final de julho e meados de agosto de 1938 e retornaram para Goiás.
Depois de apelação da defesa junto a corte de Pires do Rio no início de novembro, o júri foi transferido para Goiânia, sendo realizado em 12 de dezembro de 1938. O senhor Benedicto Almeida chegou ao Tribunal do Juri acompanhado de impressionante assistência jurídica, sendo ao final da audiência, absolvido da acusação, mesmo tendo aquele crime ocorrido na presença de grande número de testemunhas e provocado grande comoção local e nacional.
Egerinêo era um jornalista muito conceituado, colunista de importantes veículos de comunicação em Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, além de político muito atuante (de gravata borboleta na foto acima, com o Conselho Municipal de Campo Formoso). A dúvida que ficou a respeito desse caso é se o seu assassinato não teria sido um pretexto criado pelos adversários políticos, que o odiavam pela sua atuação, mas que no período que se tornou prefeito, ou a ser mais brando nas suas posições e até reduziu a atuação na imprensa. Sobre a sua atuação na imprensa os adversários o chamavam de ‘cincerro de Campo Formoso’ (cincerro=polaque).
Além de jornalista e político, foi comerciante e produtor rural, atuando, pelo que sabemos, no cultivo de algodão, arroz, bovinos e suínos. Chama a atenção um bilhete deixado na data de seu assassinato na Prefeitura, em que o colega e amigo Joaquim Marçal da Silveira combinava pegar o caminhão e irem juntos buscar uns porcos em determinado lugar. Provavelmente o prefeito não chegou a ler esse bilhete. Era também um homem muito culto, um autodidata. Deixou como herdeiras a esposa Rita Carolina Amália da Costa Teixeira (filha do Cel. José da Costa) e a filha Ofélia.
A respeito do algoz de Egerinêo Teixeira (busto abaixo), Benedicto foi posteriormente prefeito de Palmeiras de Goiás (1951-1955). Partidários do prefeito de Campo Formoso e opositores do governador Pedro Ludovico Teixeira acusavam o mesmo de ser o mandante do crime, mas não há nenhum indicativo que isso tenha ocorrido. A própria filha de Egerinêo, a professora e jornalista Ofélia Teixeira, acreditava que se não tivesse sido eleito prefeito, provavelmente o pai não teria sido morto daquela forma.
Contudo, a atividade jornalística na época era uma função de risco, uma vez que predominava o coronelismo, não totalmente cessado com o golpe de Estado de Getúlio Vargas em outubro de 1930: em 20 de maio de 1922, sábado, o jornalista Moisés Santana foi baleado na redação do jornal Lavoura & Commercio pelo prefeito em exercício de Uberaba-MG, por causa de um poema satírico de sua autoria, publicado no jornal Separação. Moisés faleceu no dia seguinte e o prefeito foi absolvido por “legítima defesa da honra” e o referido poema sequer aparecia no inquérito.
Antônio Americano do Brasil, natural de Bonfim (Silvânia), era médico, oficial do exército, político, folclorista, escritor e jornalista e foi assassinado em Santa Luzia (Luziânia) em 20 de abril de 1932, em uma contenda muito documentada, mas nunca explicada. Ambos tinham forte relação com Campo Formoso e são apenas alguns dos casos que comprovam que a atividade jornalística era mais perigosa que a política.
São feridas que aparecem em nossa história ada, mas também presente. Ainda somos “neandertais” quando se fala em tolerância. Fatos recentes, muito semelhantes a esses do ado, mostram que a nossa democracia e o nosso censo de tolerância e aceitação das diferenças precisam avançar muito.

ANSELMO PEREIRA DE LIMA